1) Sebald e Canetti se conheceram por acaso dentro de um avião, em 1970, num voo de Zurique a Londres, conta Uwe Schütte. "Encontros como esse são destino, não coincidência", teria dito Sebald. Em Austerlitz, já no final do romance, surge uma "obra volumosa", de "quase oitocentas páginas em letra miúda", que Jacques Austerlitz leu em sua época de jardineiro-assistente em Romford, o livro de H. G. Adler sobre Theresienstadt, Theresienstadt 1941–1945: The Face of a Coerced Community (que oferece a Austerlitz a história do destino de sua família depois da separação e de sua troca de identidade).
2) Sabemos que a infância de Austerlitz em Praga é o grande momento de revelação do livro, mas a cidade também oferece um ponto de ligação com esse autor, Adler, tão fundamental para Austerlitz num nível bibliográfico. No terceiro volume de suas memórias, O jogo dos olhos, Canetti chega ao ano de 1937. Auto-de-fé, seu romance, "fora recentemente traduzido e publicado em tcheco". Por conta disso, ele é convidado para fazer uma leitura em Praga. Canetti escreve: "Um jovem escritor, hoje conhecido pelo nome de H. G. Adler, trabalhava então numa instituição pública e havia me convidado para uma leitura".
3) Foi Adler quem acompanhou Canetti pela cidade em sua visita: "foi meu guia", escreve Canetti, "conduzindo-me pela cidade, preocupado em não permitir que nenhuma das belezas de Praga me escapasse". Canetti via em Adler "um grande idealismo". Ele, Adler, "que logo depois se tornaria em tão grande medida uma vítima daqueles tempos malditos, parecia absolutamente deslocado em relação à sua época". Difícil pensar em alguém "mais marcado pela tradição literária alemã" do que Adler, escreve Canetti, e continua: "mas Adler estava em Praga, lia e falava tcheco com facilidade, respeitava a literatura e a música tchecas" (O jogo dos olhos, trad. Sérgio Tellaroli, Cia das Letras, 2001, p. 296-297). Adler surge em Canetti como uma figura sebaldiana: alguém fora de sincronia com seu tempo (ou com qualquer tempo); alguém que meticulosamente traça um percurso pela cidade, ao mesmo tempo que narra tal percurso a outro (em nota relacionada, é o filho de H. G. Adler, Jeremy Adler, quem assina o posfácio das memórias de Canetti sobre seus "anos ingleses", Festa sob as bombas).
Nenhum comentário:
Postar um comentário