1) A questão da velhice e da morte é fundamental para Markson porque é o que, de certa forma, justifica essa pulsão incontrolável da citação, esse esforço de dar conta de todos os livros, de toda a tradição, incorporando-os ao tecido da própria obra (a obra de Markson pensada por ele próprio como uma suma radical de tudo que foi importante para ele). Mas há um ponto paradoxal aí, ponto que Markson levanta nas cartas e em entrevistas dadas nos últimos anos: envelhecer reflete diretamente no desejo de ler ficção, o que aconteceu também com Philip Roth (e muitos outros escritores, como Cormac McCarthy, por exemplo), que declarou certa feita que não lia mais ficção.
2) Markson, no entanto, em seus últimos anos de vida, esboçou certa reação contra essa falta de desejo de ler ficção, e registrou suas tentativas nas cartas que escreveu para a poeta Laura Sims: em 05 de setembro de 2006 ele escreve: "estou me forçando a ler os ditos 'grandes' romances que deixei passar nos últimos anos - Saramago, Sebald, etc, e ficando entediado com mais do mesmo" (Fare Forward: Letters from David Markson, 2014, p. 80). Mais do mesmo com Saramago e Sebald! Na carta de 05 de outubro ele escreve que tentou Antonio Tabucchi, mas sem nenhum efeito. Mas completa com o seguinte diagnóstico: "Mas ignore tudo isso, sou só eu e minha cabeça exausta, não são os livros" (p. 82). Mas não deixa de vir à superfície a tristeza desse vanishing point de um leitor tão dedicado, e mais: um escritor que legou tanto de sua poética ao ato da leitura.
3) "Muito depois de nos termos tornado escritores", escreve Susan Sontag, "ler livros escritos por outros - e reler os livros amados, do passado - constitui uma irresistível distração da escrita. Distração. Consolo. Tormento. E, sim, inspiração". Nem todos os escritores vão admitir isso, ela continua. "Lembro ter falado certa vez a V. S. Naipaul a respeito de um romance inglês do século XIX que eu adorava, um romance muito conhecido, e que eu supunha que ele, assim como todos a quem eu conhecia e que tinham apreço por literatura, admirava como eu. Mas não, ele não o havia lido, respondeu, e, vendo a sombra de surpresa em meu rosto, acrescentou com severidade: 'Susan, sou escritor, não leitor'" (Questão de ênfase, tradução de Rubens Figueiredo, Cia das Letras, 2005, p. 338).
Já conversei com muitos bons leitores (realmente os mais velhos) que me falaram isso, que nao conseguiam mais ler ficção… eu às vezes passo por esses períodos em que parece que nenhum romance ou livro de contos consegue prender minha atenção...
ResponderExcluirCurioso isso, não? Também já escutei muito isso... Anos atrás, um amigo publicou um romance e escreveu para um professor conhecido de seus tempos de pós-graduação, oferecendo o livro, etc - o professor respondeu: "no time for novels"... E sem dúvida tem relação com amadurecimento, passagem do tempo, consciência da finitude, etc... Por outro lado, como descobrir a novidade, a revolução, sem arriscar vez por outra a leitura da ficção, não? Eu me pergunto isso todos os dias, fico sempre nesse dilema - "Derrida ou Karl Ove? Auerbach ou Teju Cole?"
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