1) Uma vez que as cartas escritas por Sontag ainda não estão disponíveis, não tenho acesso à possível resposta dela a Chatwin a respeito do romance de Salvatore Satta, O dia do Juízo. Na carta de 3 de abril de 1982, Chatwin é bastante rápido em seu comentário sobre Satta, talvez soubesse que Sontag já o conhecia, talvez tenham conversado sobre o autor, etc. O fato é que Susan Sontag já havia lido o romance de Satta, numa ocasião que entrou para os anais das curiosas recusas editoriais (como a de Gide com Proust, a de Eliot com Orwell, etc). Roger Straus, da editora Farrar, Straus and Giroux, em algum ponto do início da década de 1980 (a edição italiana de Satta era de 1979, a de Eco, a primeira, era de 1980), dá dois livros para Sontag, buscando sua opinião: o romance de Satta e O nome da rosa, de Umberto Eco. "Compre os dois", responde Sontag, "os dois são bons". "Não posso, Susan", respondeu Roger, "o dinheiro só dá para um". Sontag escolheu O dia do Juízo.
2) A história está registrada num livro sobre a editora, Hothouse: The Art of Survival and the Survival of Art at America's Most Celebrated Publishing House, Farrar, Straus, and Giroux (Simon & Schuster, 2013), escrito por Boris Kachka. Kachka escreve que Sontag teria escolhido Satta "na esperança de que vendesse bem", porque, afinal de contas, "Eco tem passagens inteiras em latim" (p. 235). Não parece um critério ou justificativa típicos de Sontag. De qualquer forma, Roger Straus seguiu a indicação e comprou o romance de Satta, que, como sabemos, saiu só em 1987 - e aí a coisa fica enigmática, porque Chatwin, em 3 de abril de 1982, escreve a Sontag falando de sua vontade de ver o romance de Satta traduzido, mas é provável que nessa data a coisa já esteja resolvida na Farrar, Straus and Giroux, porque o livro de Eco sai em 1983, pela Harcourt Brace.
3) Kachka escreve que Roger Straus adora contar a história da recusa de Eco - que vendeu mais de cinquenta milhões de cópias ao redor do mundo com O nome da rosa, enquanto o romance de Satta, o escolhido de Sontag, o escolhido de Chatwin, o escolhido de Roger Straus, vendeu duas mil cópias nos Estados Unidos. Kachka cita uma resenha de Julian Barnes: "Satta often seems to be 'doing' subjects - beggars, the election - rather than advancing a narrative" (p. 236). Kachka escreve que Straus gosta de contar a história da recusa de Eco porque mostra a arbitrariedade do mundo editorial - mas a escolha de Sontag, afirma Kachka, não foi arbitrária. O romance de Satta é uma meditação "tchekhoviana" sobre a vida de uma família na Sardenha da virada do século, "uma escolha típica de Susan Sontag", ao contrário do livro de Eco, "a historical thriller and highbrow progenitor of The Da Vinci Code" (p. 235).
A lição disso tudo é: nada faz sentido. :)
ResponderExcluirOu ainda: na dúvida, compre os dois!
Excluir