1) Em suas notas sobre literatura em um Diário, provavelmente o Diário que vem escrevendo há anos e de onde retirou fragmentos para a realização de seu último romance, El camino de Ida, Ricardo Piglia fala de Asja Lacis: "em 1923, em Berlim, Brecht conhece a diretora teatral soviética Asja Lacis, e é ela que o põe em contato com as teorias e experiências da vanguarda soviética". Como faz também no caso da "filiação tio-sobrinho", Piglia dá a Tiniánov os créditos de teorias que são de Chklóvski (é como se Piglia escolhesse representar o formalismo russo metonimicamente a partir de Tiniánov): "Brecht 'retém' o melhor da teoria literária soviética dos anos 20, em especial Tiniánov, Tretiakov, Brik, e é o único que lhe dá seguimento nos anos duros da década de 30 (...). Os escritos sobre literatura de Brecht devem ser lidos no âmbito da teoria literária inaugurada por Tiniánov e desenvolvida por Bakhtin, Mukaróvski e Walter Benjamin".
2) As coisas aconteceram a partir da intervenção de Asja Lacis: "por intermédio de Asja Lacis, Brecht conhece a teoria da ostranenie elaborada pelos formalistas russos e por ele traduzida como efeito de estranhamento (...). É notável o deslocamento operado por Brecht para mostrar a origem russa de sua teoria do distanciamento. Afirma que sua descoberta se dá em 1926, graças a Asja Lacis". Asja é importante para Brecht também atuando no palco: faz parte do elenco de sua montagem do Eduardo II, de Marlowe, e seu alemão com sotaque russo é um bem-vindo reforço à tática brechtiana do "desnudamento dos procedimentos", como escreve Piglia: "nessa inflexão russa que persiste na língua alemã está, deslocada como num sonho, a história da relação entre a ostranenie e o efeito de estranhamento". Lacis, portanto, fez muito mais do que apenas apresentar Brecht e Benjamin.
3) "Pode-se ainda apreciar a altiva e belíssima figura de Asja Lacis eternizada numa sequência de A ópera dos três vinténs, filmada por Pabst em 1931", escreve Piglia ao final de sua nota (Formas breves, tradução de José Marcos Mariani de Macedo, Cia das Letras, 2004, p. 76-77). Seria belo poder ver Asja em movimento, mas tudo indica que não passa de mais uma atribuição errônea de Piglia (como aquela do cortejo de Roberto Arlt). Mas serve sem dúvida para lembrar a aparição de Juan Rodolfo Wilcock em Il Vangelo secondo Matteo de Pasolini, em 1964 (Wilcock inclusive traduziu as obras completas de Marlowe para o italiano), ou a intensa participação de Nabokov no mundo do cinema em Berlim na década de 1920, por pouco não esbarrando em Asja e Brecht, trabalhando como extra e colaborando com Ivan Lukash na escrita de roteiros ("seguia para os subúrbios a fim de trabalhar como extra nos filmes que eram rodados na tenda de um parque de diversões, onde a luz jorrava com um silvo místico dos enormes projetores apontados como canhões sobre uma multidão de figurantes, reduzindo-os a uma lividez cadavérica", Machenka, tradução de Jorio Dauster, Cia das Letras, 1995, p. 23).
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