Afirma Pereira, o romance de Tabucchi, é somente o prelúdio da deambulação de Pereira, sua fuga, seu movimento - a vida é fuga sem fim, para dizê-lo com Joseph Roth. Esse breve mês de 1938 é a base sobre a qual se molda a fuga de Pereira, sua libertação, sua emancipação - do nome próprio, do pertencimento nacional (Pereira como o Judeu Errante?). Pereira é um brevíssimo elo de uma enorme cadeia - o "horror do lar" de Baudelaire (seus catorze endereços entre 1842 e 1858), l'horreur du domicile, essa fórmula encantatória que tanto fascinou Bruce Chatwin (lembremos da Anatomia da errância, livro póstumo de ensaios, mas sobretudo de O rastro dos cantos, que não foi o livro sempre adiado e nunca feito sobre o "nomadismo", mas é o livro sobre o "ímpeto migratório instintivo" do ser humano). Para Chatwin, anatomy of restlessness, errância e desassossego, claro, desassossego, para falar com Pessoa, com Bernardo Soares, com Ricardo Reis - que dois anos antes, 1936, chegava a Portugal depois de dezesseis anos de exílio brasileiro (e Pessoa: África do Sul, Inglaterra, Lisboa). E por que Pessoa não outrou-se como mulher, como Coetzee fez com Elizabeth Costello? Poderia ser a Marta de Pereira e Monteiro Rossi, ou a Asja Lacis de Benjamin, Brecht e Piscator - se Pessoa era o poetodrama Lacis foi a precursora do teatro revolucionário com crianças, além de ser uma errante por natureza: da Lituânia para a Rússia, Berlim, Nápoles e Capri (foi aí que conheceu Benjamin - Asja não sabia uma palavra de italiano e tentava comprar amêndoas, ele a ajudou, ofereceu ajuda para carregar os pacotes, se ofereceu para uma visita no dia seguinte, almoçaram spaghetti, etc).
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