1) Em 2002, Fredric Jameson publica um livro (Modernidade singular) no qual discute a modernidade a partir de alguns pontos levantados por Perry Anderson dez anos antes, em 1992, em seu livro A Zone of Engagement (que saiu no Brasil com apenas um terço do conteúdo original - Zona de compromisso, Unesp, 1996 -, ao contrário da edição em espanhol, Campos de batalla, Anagrama, 1998, completa). Anderson, comenta Jameson, propõe a modernidade como "um campo de forças triangulado por três coordenadas principais": a) convencionalismo e academicismo nas artes (regras de produção e conduta); b) inovações tecnológicas e c) a proximidade imaginada de uma revolução social.
2) Como faz com bastante frequência, Jameson resgata Balzac para dar conta da imagem desse campo de forças da modernidade no século XIX - embora Anderson cite especialmente Manet, Baudelaire e Flaubert. Jameson ressalta a capacidade de certos autores/obras (Balzac, Flaubert, Stendhal) de captar uma nova dinâmica que ainda não era visível (ou geograficamente representativa), mas que incidia diretamente sobre as formas de vida então nascentes. É em parte essa inquietude da ruptura iminente que faz a ênfase de certos romances desses autores recair sobre: as contradições nas cidades, o descompasso entre o desejo dos personagens e aquilo que lhes cabe ver e viver, a estupidez flagrante dos modos tradicionais de conceber o mundo, a literatura, as artes, o sexo, os corpos, etc.
3) A modernidade não se resolve com dicotomias, mas na fluidez das contradições dos casos específicos. A cidade é a libertação da mente provinciana, mas é também o campo das ilusões, do logro e do desamparo - assim como o sexo, que é tanto libertação e conhecimento como jogo de poder e sujeição. O final de A educação sentimental de Flaubert é, nesse sentido específico da mescla e da indecidibilidade, paradigmático: a ida dos dois amigos ao prostíbulo condensa o sexo, a política, a revolução, o mapa da cidade e a temporalidade das expectativas e dos desejos - eles estão, afinal de contas, repetindo uma cena anterior, mas a repetição da cena também anuncia a repetição da história (ou sua irreversibilidade, ou a matriz autofágica de nossa concepção do tempo).
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