1) Coetzee se reafirma como leitor de Faulkner em Diário de um ano ruim, lançado quatro anos depois de Elizabeth Costello. Está no capítulo 11 da primeira parte, "Da maldição", quando Coetzee vai dos egípcios a Bush para estabelecer uma espécie de teoria do castigo arcaico, um castigo que persegue as gerações posteriores de um povo que tenha cometido atos de violência: "deve haver gente em todo mundo hoje que, recusando-se a aceitar que não existe justiça no universo, invoca a ajuda de seus deuses contra a América, uma América que se proclamou acima do alcance das leis das nações. Mesmo que os deuses não atendam hoje ou amanhã, dizem a si mesmos os solicitantes, eles ainda podem entrar em ação dentro de uma ou duas gerações". (Diário de um ano ruim. Trad. José Rubens Siqueira. Companhia das Letras, 2008, p. 56-58).
2) "Esse é precisamente o tema profundo de William Faulkner", escreve Coetzee no parágrafo seguinte, completando: "o roubo da terra dos índios ou o estupro de mulheres escravas voltam de forma imprevisível gerações depois, para assombrar o opressor. Olhando para trás, o herdeiro da maldição sacode a cabeça, pesaroso. Achamos que eles eram impotentes, diz, por isso fizemos o que fizemos; agora vemos que eles não eram impotentes coisa nenhuma". Dentro de um livro estupendo por sua montagem, Coetzee posiciona em poucas páginas um movimento que condensa e potencializa o todo. Cada parágrafo diz respeito a uma temporalidade distinta - primeiro os egípcios, depois a América do presente e em seguida Faulkner e seu tema profundo, que é, por si só, um problema de temporalidade, de lidar com o recalcado que emerge, lidar com a violência que se perpetua (e a intuição pode ser ampliada em direção à história literária: Cormac McCarthy como um escritor que lida com uma segunda camada ou uma segunda onda desse recalcado, com aquilo que ainda permanece ecoando mesmo depois da intervenção de Faulkner).
3) Fredric Jameson também é leitor de Faulkner e diagnosticou o mesmo "tema profundo", nos seguintes termos: o estilo de Faulkner tem como precondição formal, escreve Jameson, "a situação da memória". Uma ação violenta ou um gesto no passado, "uma visão que fascina e obceca os contadores de histórias que apenas podem comemorá-la no presente e, ainda assim, têm de projetá-la como uma imagem completa". A linguagem, em Faulkner, retorna incessantemente para esse "gesto fora do tempo", "acumulando desesperadamente adjetivos e qualificativos", em uma tentativa de fazer ressurgir, de fora, o que é "virtualmente uma forma fechada, que não pode mais ser reconstruída pelo movimento das sentenças". Jameson comenta também "a extraordinária função do agora em Faulkner: geralmente acompanhado de um verbo no passado, este agora muda, através da situação do ouvinte, o espaço do presente traumático da memória obsessiva do passado para o presente do nosso tempo de leitura das sentenças de Faulkner". (Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. Trad. Maria Elisa Cevasco. Ática, 1997, p. 151-152).