1) Foi Borges (mais uma vez) quem recuperou, na História universal da infâmia, uma antiquíssima linha de força da história literária: as relações entre a geografia (a topografia, a paisagem) e o mal. Os personagens da História universal da infâmia caem diante da tentação não apenas de suas próprias naturezas, mas também do apelo insidioso do ambiente: a vastidão do mar, a vastidão do deserto. A vastidão é perniciosa, alimenta o ócio e a inquietude, que alimentam, por sua vez, o vício do mal.
2) É durante a peregrinação pelo deserto que os israelitas alcançam o clímax do pecado e, abraçando as subterrâneas sugestões do Demônio, constroem o Bezerro de Ouro; Jesus também vai ao deserto, para jejuar, e é lá que encontra o Demônio, à espreita, pleno de argumentos lógicos, carregado de linguagem impecável. Exatamente como o Juiz Holden do Meridiano Sangrento de Cormac McCarthy: não sofre a ação do tempo (ou do tempo como o conhecemos), vasto como a vastidão do deserto, que dá mostras de conhecer de forma fisiológica - como se o deserto fizesse parte de sua condição ontológica, participando, evidentemente, de sua implacável tendência ao mal (materializada no colecionismo de escalpos, línguas e orelhas).
3) Certamente não é por acaso que Carlos Wieder apareça justamente na reescritura que Bolaño faz da História universal da infâmia, ou seja, na Literatura nazi na América. Wieder, o aviador assassino de mulheres, tem apenas a vastidão do céu diante de si, o espaço sem fim do horizonte, e é ali que escreve seus poemas, feitos de fumaça. Literatura e guerra aérea, literatura e história universal da destruição, como nos apresentou Sebald. "O mal, uma forma aguda do mal, que só pode ser expressa pela literatura", escreve Bataille em A literatura e o mal, "possui para nós um valor soberano".
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