1) Gosto de: salada, canela, queijo, pimentões, pasta de amêndoas, cheiro de feno cortado (gostaria que um especialista fabricasse tal perfume), rosas, peônias, lavanda, champanhe, posições levianas em política, Glenn Gould, cerveja excessivamente gelada, travesseiros baixos, pão torrado, charutos Havana, Händel, passeios comedidos, pêras, pêssegos brancos ou de vinha, cerejas, tintas, relógios, canetas, penas de escrever, petiscos, sal cru, romances realistas, piano, café, Pollock, Twombly, toda a música romântica, Sartre, Brecht, Verne, Fourier, Eisenstein, trens, vinho de Médoc, champanhe tinto, ter dinheiro trocado, Bouvard e Pécuchet, andar de sandálias à noite nas estradinhas do Sudoeste, a curva do rio Adour vista da casa do doutor L., os Irmãos Marx, o serrano às sete da manhã saindo de Salamanca, etc.
2) Não gosto de: lulus brancos, mulheres de calças, gerânios, morangos, cravo, Miró, tautologias, desenhos animados, Arthur Rubinstein, casas de veraneio, tardes, Satie, Bartok, Vivaldi, telefonar, coros de crianças, concertos de Chopin, bailaricos da Borgonha, danças da Renascença, órgão, M.-A. Charpentier, suas trombetas e tímbalos, o político-sexual, as cenas, as iniciativas, a fidelidade, a espontaneidade, as noitadas com gente que não conheço, etc.
3) Gosto, não gosto: isso não tem a menor importância para ninguém; isso, aparentemente, não tem sentido. E, no entanto, tudo isso quer dizer: meu corpo não é igual ao seu. Assim, nessa espuma anárquica dos gostos e dos desgostos, espécie de picadinho distraído, desenha-se pouco a pouco a figura de um enigma corporal, atraindo cumplicidade ou irritação. Aqui começa a intimidação do corpo, que obriga o outro a me suportar liberalmente, a ficar silencioso e cortês diante de gozos ou recusas de que não partilha.
Roland Barthes por Roland Barthes.
Tradução de Leyla Perrone-Moisés.
Estação Liberdade, 2003, p. 133.