segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Bacon, Kundera

1) O comentário de Kundera sobre Francis Bacon, publicado em L'arc em 1977, começa com uma lembrança de seu país natal, um encontro com uma mulher em Praga. Por alguma razão que Kundera não explica, ele conhece essa mulher dois dias depois de ela ter sido interrogada pela polícia secreta. A mulher lhe diz que o principal tópico das perguntas da polícia foi ele, Kundera. "Ela achava que estava sendo constantemente seguida", escreve Kundera. "Ela precisava me encontrar e me relatar todas as perguntas que sofreu, para que nossas respostas fossem as mesmas, caso eu também fosse interrogado".
2) O interrogatório tem um efeito devastador sobre a mulher - assim como acontece com a protagonista de O compromisso, de Herta Müller, que sucumbe pouco a pouco diante da insistência de um asqueroso agente da polícia. "Eu a conhecia, de vista, há muito tempo", escreve Kundera. "Era inteligente e espirituosa, muito habilidosa na arte de controlar suas emoções e sempre impecavelmente vestida". O medo, contudo, da noite para o dia, "como uma grande faca, abriu aquela mulher diante de mim". Kundera escreve que ela parecia "uma carcaça cindida", balançando no alto de um gancho de açougue.
3) De repente, diante da transformação daquela mulher, Kundera sente o desejo de machucá-la: "eu queria bater brutalmente em seu rosto e subjugá-la completamente, acolhendo todas as suas contradições: sua roupa impecável e seu estômago embrulhado, seu bom senso e seu medo, seu orgulho e sua vergonha". Kundera olha nos olhos da mulher e vê confusão, tormento: "quanto mais atormentados os olhos, mais meu desejo se tornava absurdo, estúpido, escandaloso, incompreensível, impossível de suportar". Kundera termina seu breve texto dizendo que a história lhe voltou inteira à memória no momento em que viu o tríptico de Bacon, dedicado a Henrietta Moraes. As imagens de Bacon funcionaram em dois sentidos: lembraram o desejo de violência que o próprio Kundera experimentara anos antes, ao mesmo tempo em que chegaram a ele como um gesto de violência, como se ele, ao contemplar os quadros, fosse a violência e o violentado ao mesmo tempo.

Um comentário:

  1. abraços meu caro.essas imagens do bacon são mesmo sempre poderosas. o kundera que eu li já esqueci completamente. talvez seja o caso de revisitá-lo. inté uma próxima.

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