Essa movimentação arcaica do tempo, que Krúdy encontra a partir do carnaval e da folia medieval, também está em O enteado, de Saer. Exatamente como na cidade murada da Idade Média, a tribo separa um dia (não exatamente um dia, porque a graça do ritual é justamente ultrapassar a legibilidade do tempo) para o abandono total e irrestrito dos corpos. É provavelmente a sequencia mais impressionante de O enteado: o estrangeiro observando como os índios se entregam à bebida e ao canibalismo, fornicando uns com os outros inúmeras vezes, vomitando para abrir espaço e seguir comendo. A recuperação é lenta, leva dias, mas, ao fim dela, os índios seguem a vida como se nada tivesse acontecido. Essa circularidade do tempo marca a dinâmica das sociedades frias, como aponta Lévi-Strauss e como segue Agamben em Infância e história. O curioso é pensar em Krúdy percorrendo a Idade Média, o que restou dela nos povoados que visitava, em plena Grande Guerra, com a guerra de trincheiras logo ao lado.
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