quinta-feira, 26 de novembro de 2009
El tilo
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Parmênides
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Mulheres/Loucura
terça-feira, 10 de novembro de 2009
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Camadas
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Há sempre uma história por trás da história. Um exemplo entre tantos outros possíveis: o sujeito desavisado lê as duas partes de Don Quixote (quantas pessoas ao redor do globo estão lendo Don Quixote neste exato momento? 4 mil, 60 mil? Em quantas línguas? 8, 9, 30?) sem saber do plágio que motivou a segunda metade, nascida 10 anos depois da primeira (em 1615). Imagine só o despeito e a indignação de nosso gênio maneta! (viu?, outra história por trás da história...).
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No prefácio de Nostromo (preste atenção: um livro sobre a América Latina), Joseph Conrad conta que, depois de escrever o último conto de Tufão, se deu conta de que não havia nada mais a dizer (por pouco um bartleby – aliás, essa história poderia estar em Bartleby & companhia – aliás, na melhor parte de Desde la ciudad nerviosa, livro que reúne alguns artigos esparsos de Vila-Matas, o autor revela que já podia ter escrito um segundo volume de Bartleby, dada a quantidade de casos de artistas do Não que os amigos e conhecidos enviam regularmente a ele), ou seja, que tudo já estava esgotado. E não é que Conrad, ao passar por uma loja de livros usados (sempre os sebos!), descobre um volume, o relato autobiográfico de um marujo americano (auxiliado, na escrita, por um jornalista), que conta, ao longo de três sucintas páginas no meio de tudo, uma história que ele, Conrad, havia ouvido quase trinta anos antes, quando trabalhava no México. O marujo havia trabalhado com um falastrão que dizia ter roubado, sozinho, uma barcaça cheia de prata – e Conrad reconheceu a história e o personagem, décadas depois. O ladrão de prata, cuja proeza nunca ficou provada, já que ele alardeava o fato, mas mantinha os negócios modestos como estavam, virou Nostromo.
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Melancolia
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Um amigo me procura para comentar a melancolia que experimentou ao ler, de cabo a rabo, o blog de um jornalista de São Paulo – suas idas ao teatro, as estréias que acompanha nos cinemas, os muitos livros recém-lançados que o sujeito recebe sem levantar da cadeira. Eu também tenho problemas com pessoas que recebem livros sem sair da cadeira, eu disse a ele. São momentos que nos fazem questionar a razão de continuar realizando determinadas coisas. Foi o que eu também disse a ele, aproveitando o embalo: lendo How Fiction Works é impossível não pensar na quantidade de elementos que podem dar errado na construção de um livro, e de como é fútil e vazia a intenção de ainda escrever, diante disso, questão que fica evidente se acompanharmos a quantidade de frentes que o jornalista de São Paulo parece impelido a suprir. Indiquei ao amigo a última resenha da Copa de Literatura brasileira, que arrebenta Dias de Faulkner – excelente exemplo, se seguirmos a argumentação da resenha, de um livro que não precisaria ter existido, pelo menos não agora, que poderia ter sido mais bem gestado, melhor cultivado, e não simplesmente jogado no mercado (porque é disso que se trata: mercado). É evidente que falta leitura, como aponta o próprio James Wood: a literatura faz de nós melhores observadores da vida, se nós praticarmos enquanto vivemos; isso, em contrapartida, nos faz melhores leitores dos detalhes na literatura, o que, como reflexo, nos faz melhores leitores da literatura. E assim por diante. A maioria dos jovens leitores são observadores medíocres. Vejo pelos meus próprios livros antigos, anotados vinte anos atrás, quando eu era estudante. Assinalei cuidadosamente, salientando minha aprovação, detalhes, imagens e metáforas que hoje me parecem o mais raso senso-comum, enquanto deixava de lado coisas que hoje me parecem maravilhosas. Nós crescemos como leitores, e jovens de vinte e poucos anos parecem relativamente virgens. Por não terem lido o suficiente, não aprenderam com a própria ficção como lê-la. Lembro de uma passagem hilária de Pnin, do Nabokov (texto, aliás, que Wood cita algumas vezes), em que o professor do título fica também melancólico ao encontrar, em um livro da biblioteca, uma anotação à margem que diz: “ironia”, e outra, mais adiante, que diz: “descrição da natureza” – Pnin fica quase constrangido, mas o narrador (que Wood diz que pode ser identificado com Nabokov, blábláblá, óbvio que é Nabokov! (Nabokov estava no bosque, caçando borboletas ao lado de outro louco; este segundo diz: “Eu sou Jesus”, e Nabokov responde: “Não creio”, o segundo louco retruca: “Foi Deus quem me disse!”, e Nabokov encerra a discussão: “Nunca disse tal coisa, seu asno”)) espezinha a ignorância e superficialidade do estudante anônimo, cristalizado para sempre naquele comentário estúpido à margem de um livro qualquer. Faltam leitores, é evidente, foi o que eu disse ao meu amigo. Falta leitura detida, pausada, reiterada. Sejamos leitores, portanto. Tiago A., responsável pela resenha da Copa que eu mencionei, em determinada passagem de seu blog, nos mostra como encontrou em David Foster Wallace a repetição de uma metáfora, o sol que se põe como um ioiô, em um romance e no final de um conto. Leitura psicótica, de varar madrugada, rabiscando por cima dos rabiscos que já estavam lá desde a primeira leitura, garimpando a porra toda, como se fosse o primeiro leitor a chegar lá (e digo isso de propósito, foi o que eu disse a meu amigo, porque todo leitor é efetivamente o primeiro a chegar). Ou seja, Tiago A. revira Foster Wallace de pernas pro ar e pega o sujeito pelas bolas, ali na duplicação do estilo, naquilo que o Wood chama de self-plagiarism (p. 52). Sensacional. Leitura, na sua mais simples e potente resolução. Qualquer dia desses vou fazer a mesma coisa com aquela palavrinha safada que percorre todo o’S Detetives Selvagens: simonel. É claro que eu adoraria receber os últimos lançamentos literários em casa, com uma sacola ecológica da Companhia das Letras de brinde, eu disse a meu amigo (ainda melancólico, mas já não tão cabisbaixo), mas como carregar de afetos e biografemas, como está carregado aquele envelope grosso que recebo de meu Tio Toni lá da Bahia, esse pacote inerte? Cada post jornalístico é um retorno do mesmo-enfadonho, enchendo a tela com aquilo que já vimos na vitrine e que continuaremos vendo nas resenhas e ainda veremos novamente, até a próxima novidade, em uma cronologia fixa como uma linha de montagem. Talvez meus critérios sejam outros, pensa meu amigo, em voz alta. Como diz Zygmunt Bauman: depois de viver o fetichismo da mercadoria, lá no início do capitalismo, entramos no fetichismo da subjetividade – que brota, assim, como se fosse um clique de mouse. E talvez seja também um pouco por isso que tantas gavetas, ao invés de permanecer fechadas, estão sendo tão veementemente abertas, eu disse a meu amigo, já um pouco atordoado pelo rumo que a conversa tomava. James Wood, por seus próprios caminhos, também alcança o fetiche da subjetividade quando propõe a linha: Rei Davi, MacBeth e Raskolnikov, ou seja, o primeiro só existe para Deus, o segundo só existe para a audiência (solilóquios) e o terceiro só existe para si. Na era da informação, já disse alguém, a invisibilidade é quase a morte. De modo que o sujeito do blog, o primeiro (e essas já foram as conclusões do meu amigo), está engessado pela pauta, pelo cronograma jornalístico, pelos lançamentos editoriais, pela demanda do mercado, pelo agenda-setting e pela espiral de silêncio, e talvez aí esteja um pouco da diferença entre a aproximação jornalística da literatura e a aproximação, digamos, acadêmica – e que eu resumiria, ainda que isso não tenha me ocorrido durante a conversa, como uma consciência do arquivo, ou ainda, uma problematização do arquivo, do que está disponível e das razões para esta disponibilidade. Arquivo como origem vazia, lacuna auto-reflexiva, vertigem da temporalidade atravessada de anacronismos que fabricam, por sua vez, a história.
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