sexta-feira, 21 de junho de 2013

Joyce lendo Vico

1) Auerbach, ao comentar Vico, fala das "dificuldades de seu estilo" e da "atmosfera barroca de seu livro", Scienza Nuova. Isso é importante na argumentação de Auerbach porque, segundo ele, foi esse aspecto "barroco" de Vico que atrapalhou a potencial percepção de Goethe ou Herder das ideias de Vico. Como se Vico tivesse perdido a oportunidade de chegar ao romantismo alemão, que antecipava em tantos aspectos, por um triz. Mas não, por conta da "nuvem de impenetrabilidade" a Scienza Nuova terá que esperar até Croce e Nicolini, terá de esperar até o século XX, terá que esperar até James Joyce.
2) É o próprio Auerbach quem escreve: algumas das ideias básicas de Vico "parecem ter adquirido sua força integral apenas para nossa época e geração; tanto quanto sei, nenhum grande autor ficou tão impressionado com sua obra quanto James Joyce". O texto de Auerbach é de 1949. Talvez o estilo barroco que não atingiu Goethe tenha conseguido finalmente atingir alguém, atingindo James Joyce - pois é inegável que os termos utilizados por Auerbach para Vico, "dificuldades de estilo", "atmosfera barroca" e "nuvem de impenetrabilidade", podem servir também para Joyce. Richard Ellmann escreve que, "para dar forma" ao seu novo projeto - o Finnegans wake -, Joyce "reestudou Giambattista Vico". Joyce "era particularmente atraído para um emprego 'napolitano puritano' da etimologia e mitologia para revelar o significado dos acontecimentos" (James Joyce, tradução de Lya Luft, Globo, 1989, p. 683).
3) Joyce estava ligado a Vico também e evidentemente pela leitura de Homero - para Vico, Homero não era um poeta individual, mas um mito que condensava inúmeros poetas espalhados pelo tempo. E nas palavras de Auerbach, Vico "não acreditava no progresso, mas num movimento cíclico da história". Eis o Ulisses: um único dia que dá acesso a um ciclo inteiro da história, sem que ele seja imediatamente reconhecível (para que ele seja repetição mas também diferença - nas palavras de outro barroco, Deleuze). 

3 comentários:

  1. Kelvin; aí tem um equívoco. Vico teve forte influência em uma geração de pensadores no século XIX. Infelizmente, Auerbach não contempla com o devido vagar, mas Jules Michelet não somente traduz a Ciência Nova como é percepetível a discussão sobre a sabedoria dos antigos em seu livro sobre a figura da feiticeira. Para além disso, a discussão republicana sobre o que seria o povo em um determinado momento movimenta algo da economia poética. Para ver como isto se dá resta ler no L'enseignement universel, de Joseph Jacotot para descobrir que o povo, a nação é, mais do que outra coisa, uma forma de rimar. É possível também ver o quanto a emergência das ciências da religião (tem um livro excepcional de Michel Despland sobre o tema) refletem o projeto de Vico a partir da mediação de Michelet. Se Vico não foi à Alemanha como seria de se esperar, seguramente foi à França.

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  2. Olá meu caro. Bom post (as usual), lembro que no "rumo a estação Finlândia" Edmundo Wilson, um dos primeiros leitores críticos do Joyce, dedica seu primeiro capitulo neste rastro apontado pelo "refrator" no comentário acima, pois Michelet de fato encontrou Vico.

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    1. Obrigado pelos excelentes comentários, Aguinaldo e Refrator. De fato, Michelet escapa completamente da linha de sucessão armada pelo Auerbach no ensaio sobre Vico.

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