O movimento que faz Cristina Rivera Garza em direção a Juan Rulfo em seu livro Había mucha neblina o humo o no sé qué (de 2017) pode ser aproximado de outros movimentos em direção a outros escritores, formando uma sorte de constelação de envios, aproximações e tensões: em primeiro lugar, os trabalhos de Bruce Chatwin, Claudio Magris e W. G. Sebald, que reinventaram os procedimentos ficcionais da viagem e da investigação ensaística no interior do romance (o ensaio de Chatwin sobre Jünger, "Ernst Jünger: An Aesthete at War", agora presente no livro What Am I Doing Here, é exemplar nesse sentido); em segundo lugar, o desejo de colocar em discurso algo da ordem da presença, "cá estou, exatamente onde a outra pessoa outrora esteve", que remete sempre à situação do pharmakon derrideano: estou aqui, e essa condição me preenche de possibilidades; sim, estou aqui, mas a que preço?, o que farei a partir de agora?, o que farei agora que esta etapa está concluída?, e assim por diante, em uma espiral de angústia.
terça-feira, 30 de abril de 2024
segunda-feira, 22 de abril de 2024
Texto, contexto
Em seu livro sobre Juan Rulfo, Cristina Rivera Garza relata uma visita sua (da narradora?) a um arquivo, o Archivo Histórico del Agua, na Cidade do México, onde busca fotografias de Rulfo publicadas originalmente em um conjunto de fascículos publicados pelo governo (Rulfo fez parte de uma comissão criada para documentar as características materiais, culturais e espirituais dos povos indígenas da região da bacia hidrográfica do Papaloapan, que seriam desalojados para a construção de uma represa). Ao ver as fotografias de Rulfo no contexto original - nos documentos da comissão -, Rivera Garza comenta que passou a ver com novos olhos as ideias de Marcel Duchamp e Charles Bernstein sobre a arte (ou seja, que o contexto e a recepção, a leitura e o "contato" desempenham papeis centrais na mutação de um objeto ou prática em uma obra de arte.
O parágrafo no qual Rivera Garza dá conta dessas ideias já começa com uma citação de Bernstein: "assegurava Charles Bernstein", escreve ela, "que um poema é 'qualquer construção verbal que se designe como poema. A designação de um texto verbal como poema assinala mais uma maneira de ler que uma avaliação da qualidade do trabalho" (Había mucho humo, neblina o no sé qué, p. 118-119). Bernstein já está na epígrafe do livro, de modo que o leitor o reencontra sabendo de sua aparição anterior (uma repetição que é transformada pelo contato com Duchamp e Rulfo). Na epígrafe, Rivera Garza cita, em inglês, um trecho do ensaio/conferência "State of the Art", de Bernstein, de 1990 - entre outras coisas, ele escreve: The names that we speak are no more our names than the words that enter our ears and flow through our veins, on loan from the past.
segunda-feira, 8 de abril de 2024
Rulfo, Rolleiflex
sexta-feira, 5 de abril de 2024
quarta-feira, 3 de abril de 2024
Trabalho, escuta
Cristina Rivera Garza, em seu livro Había mucha neblina o humo o no sé qué (uma investigação narrativa e ensaística sobre Juan Rulfo), enfatiza, em primeiro lugar, a dimensão de Rulfo como trabalhador - as atividades nas quais se envolveu para ganhar dinheiro, sustentar a família, etc - e, em paralelo, sua disposição (por vezes, quase uma necessidade) para percorrer o interior do México: nesse ponto específico, o Rulfo de Rivera Garza se aproxima (se mistura) ao Nikolai Leskov de Walter Benjamin, aquele que aparece no ensaio sobre o "narrador" ou "contador de histórias", já que Leskov também ligava o trabalho cotidiano à literatura: Rulfo e Leskov, viajando a trabalho (o primeiro foi agente de vendas da empresa Goodrich-Euzkadi; o segundo, caixeiro-viajante), escutavam histórias e se colocavam à disposição dos indivíduos anônimos que encontravam pelo caminho (mais tarde transformando o escutado em escrito, em ficção, em obra).