"É paradoxal que Bourdieu - que tanto censurou Sartre por ter construído a imagem do intelectual livre, 'sem laços ou raízes', segundo a fórmula de Mannheim, e por ter relacionado o conteúdo dos seus livros, filosóficos ou literários, às suas origens de classe - tenha feito o possível, por meio do dispositivo apresentado como 'científico' em seu Esboço de autoanálise, para separar seu próprio pensamento de seus vínculos e raízes. Ele nos oferece mais uma análise da mente do que do corpo, do pensamento do que da sua inscrição social.
É uma pena que Bourdieu tenha se debruçado tão pouco sobre as disposições adquiridas na sua juventude para entender quem ele era quando entrou no espaço escolar, universitário, científico, no qual iria tentar encontrar um lugar, inventar uma posição, com base em escolhas baseadas em atrações e repulsões, que não derivam, nem todas elas, nem unicamente, da pureza de uma reflexão intelectual, e das quais se pode até mesmo dizer que são quase instintivas.
Aliás, parece-me que é assim que Bourdieu procede em seu livro sobre Heidegger, no qual a análise do habitus ocupa um lugar tão importante quanto a análise do campo filosófico, ou, mais precisamente, os dois níveis de análise são indissociáveis, e a situação que Heidegger fabrica para si próprio no espaço teórico é relacionada de maneira bastante direta às suas inclinações políticas e sociais" (Didier Eribon, A sociedade como veredito, trad. Luzmara Curcino, Ayiné, 2022, p. 95-96).