Oraibi, Arizona |
1) Em As raízes clássicas da historiografia moderna, Arnaldo Momigliano fala de Hecateu de Mileto (500 a.C.). A história mais conhecida sobre ele é registrada por Heródoto: ele se vangloriava diante dos sacerdotes de um templo egípcio que ele podia contar dezesseis ancestrais e o décimo sexto era um deus. A resposta dos sacerdotes egípcios foi a de introduzir Hecateu às imagens de 345 gerações de seus predecessores - sacerdote após sacerdote sem qualquer traço de deus ou de herói no começo da lista.
2) Diante desse choque de perspectiva, Hecateu escreve: "as histórias dos gregos são muitas e são ridículas e, no entanto, é isto o que dizem". Momigliano comenta: "a importância real de Hecateu não reside nas interpretações individuais que ele propunha, mas na descoberta de que uma crítica sistemática da tradição histórica é tanto possível quanto desejável, e que uma comparação entre diferentes tradições nacionais ajuda-nos a estabelecer a verdade".
3) A "crítica sistemática da tradição" se liga à mobilidade (ao exílio, à deriva, à deambulação) para gerar perspectiva e insight: Hecateu no salão das imagens dos sacerdotes egípcios é como Warburg diante do ritual da serpente dos índios do Novo México - e sua elaboração posterior passa por uma referência grega: ele busca unir "Atenas" e "Oraibi". E não continuam ridículas as histórias que se baseiam em uma única perspectiva, que se pretende universal? São tantos que ensaiam uma glosa e uma desconstrução desse ridículo histórico, como Edward Said (Cultura e imperialismo), Serge Gruzinski (O pensamento mestiço) ou Todorov (A conquista da América).
4) "A situação em que Hecateu vivia", continua Momigliano, "levou-o paradoxalmente a tornar-se o líder da rebelião jônica contra os persas: mas ele nunca deixou de ser um philo-barbaros". E mais: "Heráclito não gostava dele talvez pela mesma razão que Hegel não gostava de B. G. Niebuhr. O pensador conservador tem pouca simpatia pelo investigador empírico que tem uma visão um pouco mais liberal. Hecateu, por sua erudição, tornou absurda a reivindicação dos aristocratas gregos, como Heráclito, de serem de descendência divina. A admiração de Hecateu pelos bárbaros tinha tonalidades políticas, da mesma forma como havia tonalidades políticas na admiração de Niebuhr pelos camponeses romanos".