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No caminho para Walter Benjamin há muitas portas. Uma das primeiras, para mim, só faz sentido retrospectivamente – naquela época eu sabia muito pouco. Eu estava no segundo ou terceiro ano de faculdade e Benjamin era para mim uma presença excessivamente anacrônica no currículo do curso. Um ensaio sobre reprodutibilidade técnica da década de 30? Nada mais obsoleto e desnecessário. Era inegável, contudo, a importância que alguns professores que eu considerava competentes davam a Benjamin. Foi com essa receptividade ambígua que eu entrei em um dos sebos da rua Regente Feijó, em uma tarde lá por 2003, procurando algum livro de literatura contemporânea esquecido na bancada a cinco reais. O que encontrei foi o Diário de Moscou de Benjamin, que chamou a atenção por ser um livro antigo da Companhia das Letras que eu nunca havia visto. Benjamin visitou Moscou brevemente, de 6 de dezembro de 1926 até primeiro de fevereiro de 1927, mas foi uma visita cheia de expectativas – sexuais, políticas, literárias. Benjamin queria tornar sua relação com a comunista Asja Lacis, que vinha cortejando há tempos, mais quente e definitiva. Acabou preterido por um concorrente mais determinado e menos ambíguo em suas decisões e posições políticas, Bernhard Reich. Benjamin foi a Moscou ver o comunismo de perto. A ideia era se filiar ao Partido. Não encontrou exatamente o que espera, frustrou-se e não fez sua carteirinha. Não se acertou com a língua também. Consequentemente, a literatura também lhe escapou. Foi apenas um vislumbre, e tudo voltou como era antes. Assim foi minha tarde na Regente Feijó: apenas um vislumbre, uma imagem que perpassou o tempo, veloz. Só agora me dou conta, etc. O livro ficou lá. O preço era algo como 10 reais, 15 reais. O exemplar estava machucado, mas nada de atrapalhasse o movimento do colecionador. Entrou para a lista dos livros que me arrependo de não ter comprado. Alguns achei depois, a maioria nunca mais.
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Gershom Scholem diz que as cartas que Benjamin lhe escreveu de Moscou vieram em um papel miserável, e escritas a lápis, algo que era bem distante dos hábitos de Benjamin (Benjamin e sua escrita microscópica feita com tinta azul – azul como seus olhos, diga-se de passagem). O dinheiro para a viagem Benjamin arranjou com Martin Buber: combinaram que ele escreveria um longo artigo sobre Moscou para a revista de Buber. Diário de Moscou, portanto, é o conjunto das notas que Benjamin fez na cidade pensando no artigo que já estava pago, mas que ainda não estava escrito. Benjamin, de certa forma, perseguia o tempo em Moscou. Benjamin saiu de Moscou de mãos abanando, exatamente como eu naquele sebo. O Diário, dizem, é uma mistura de eventos autobiográficos (Asja, Asja, Asja...) com considerações sobre a arquitetura soviética e o clima. Outro detalhe curioso é que Benjamin detestava Martin Buber desde os tempos da I Guerra – o primeiro era contra e o segundo defendia a guerra como uma vivência imprescindível para a formação do homem. Qualquer dia desses eu volto na Regente Feijó e encontro o mesmo exemplar.
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