Li por aí, no blog de algum jovem pesquisador, a menção a um rol seleto de maiores amores de leitura: Agamben e Lacan. Ou seja, essa pessoa cultiva, como preferência extrema de leitura (tudo incluído, pelo que eu entendi: ficção, teoria, listas de supermercado), Agamben e Lacan. Estranhei, achei falso. Aí pensei: "Espera um pouquinho: por que não? - cada um com seu cada qual". Comecei a questionar, evidentemente, minhas próprias escolhas - voláteis, volúveis, viscosas ("Estou mudando de opinião com relação à vida", diz um sábio baiano ao agonizar, virtualmente, no leito de morte). Isso ficou na minha cabeça, nos últimos dias. Por conta da contingência imposta pela falta de tempo, tenho operado da seguinte forma: ao invés de atacar problemas distintos a cada brecha de tempo que surge, ataco o mesmo problema diversas vezes, escandindo, desta forma, a reflexão no tempo. Ou seja, bobagem. O fato é que: Agamben efetivamente possui belas páginas sobre teologia, digamos, mas o meu percurso atravessa muito mais as memórias do Jonathan Franzen ou da Karen Armstrong, ou ainda o recente Retalhos, do Craig Thompson. Outra coisa: me dei conta (isso faz tempo) que, quando visito os sebos, olho as estantes de literatura brasileira somente contando com o fato de que, às vezes, os funcionários fazem a catalogação de forma equivocada, botando, sei lá, Italo Calvino ao lado de, sei lá, Antonio Caloni.
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Essa é uma falsa polêmica, claro. Não se trata de escolher entre crítica e ficção, principalmente pelo fato de que eu escrevi uma dissertação sobre Enrique Vila-Matas - e, diante disso, estabelecer uma barreira ou uma divisória seria absurdo. Enfim, o fato é que o texto ficcional me faz mais _______, justamente por conta de certa _________ que a teoria deixa de lado. Nisso estou com James Wood - comecei hoje de manhã a ler How fiction works, que é iluminador em sua simplicidade. No prefácio explicativo, Wood faz referência a dois críticos, Victor Sklovski e Roland Barthes, que estariam por trás de sua concepção dos mecanismos da ficção, mas que logo são abandonados. Wood quer explicar ficção com ficção, e vai ao básico: imagens, como usar aspas, discurso indireto, narrador, dando exemplos de Henry James, Sebald, Ishiguro, zilhões. Às vezes o óbvio tem um fascínio inesperado.
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História sucinta para terminar e ilustrar: uma passeata de jovens, todos carregando cartazes onde vai escrito: "253" - e todos gritam, enquanto passam pelas ruas: "253!, 253!". Um velhinho pára e olha, curioso. Puxa um dos manifestantes e pergunta: "que diabo de número é isso?". O jovem responde: "Essa é uma passeata pelo amor livre. 253 é o número de posições sexuais que nossa comunidade conhece e pratica." O senhor curioso arregala os olhos, surpreso. "Veja você... eu que passei a vida toda achando que era só uma...", o jovem pergunta, também curioso: "E qual é a posição que o senhor conhece?". O velho: "Ora, meu jovem, aquela normal, a mulher deitada, o homem por cima... papai-mamãe..." - o jovem, agora ele de olhos arregalados, mal espera o homem terminar de falar e sai gritando em direção aos outros: "254!, 254!!, 254!!!"
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